Entrevistando minha filha: como é mudar de país para uma adolescente?
Contei neste post como foi a minha visão da nossa mudança de São Paulo para Hong Kong. Mas no texto de hoje eu trago a visão de minha filha L., que hoje está com 14 anos e que na época da mudança tinha 12. Acredito que mudar com crianças maiores, como foi o meu caso (uma de 12 e uma de 8) tem suas particularidades.
Se por um lado eles já são mais independentes nas atividades do dia a dia e dão um pouco menos de trabalho, por outro, já carregam laços mais fortes com o país natal e podem não aceitar tão facilmente uma mudança radical. Felizmente não foi o que aconteceu conosco, como você pode acompanhar na entrevista a seguir.
MMA: Você já tinha pensado em morar fora do Brasil?
L.: Bom, desde muito pequena eu sempre sonhei em fazer universidade fora do Brasil, então eu já tinha idealizado a ideia várias vezes, mas não tão cedo! Meus pais falavam com certa frequência da possibilidade do meu pai ser transferido, normalmente para Nova York, mas isso sempre pareceu uma possibilidade bem distante até que…
Como foi receber a notícia de que vocês iam se mudar para Hong Kong? Você já tinha ouvido falar de lá?
Eu ainda lembro exatamente do choque que recebi. Fazia um tempo que eu tinha percebido que comentários como “L., você gostaria de morar fora do Brasil antes da universidade?” ou “L., continua aprendendo esse inglês, que você vai precisar, hein?” tinham ficado mais frequentes, mas eu sempre tive Nova York na cabeça, sendo que havia sido o mais cogitado pelos meus pais.
Quando eles me falaram de Hong Kong, eu só tive duas emoções: alegria e confusão. Claro que eu estava animada, mas o que era Hong Kong? Eu não sabia absolutamente nada sobre esse lugar! Uma das primeiras coisas que vieram na minha cabeça até foi: “Mas não tem muito terremoto no Japão?”
O que foi mais difícil de você deixar no Brasil?
Acho que as coisas que fazem o Brasil ser o Brasil: as pessoas e a comida. Deixar as minhas amigas foi extremamente difícil, embora eu ainda fale com elas quase todos os dias. Outra coisa da qual sinto muitas saudades é a comida. Nunca tinha valorizado tanto a importância do meu arroz com feijão até ser deparada com galinhas vivas, porcos e patos pendurados pela cidade toda e o fedido durian*.
Assim que chegou a HK, quais foram as suas maiores dificuldades, os seus maiores desafios?
Acho que simplesmente me adaptar com e aceitar o novo estilo de vida. Eu não iria mais ter a folga de sentar num carro e sair só no destino. Teria que ir no mercado sozinha porque ‘com liberdade vem responsabilidade’; não veria as minhas amigas por muito tempo. Fichas que só caíram quando eu cheguei. Mas depois de me acostumar com todas essas coisas, a vida foi ficando mais natural.
Como foi a sua adaptação com a comida local?
Bom, na primeira escola que frequentei, a maioria das pessoas eram ou de Hong Kong ou da China, então sempre que saíamos, íamos a restaurantes chineses. Sou vegetariana, então passava longe de todos os tipos de intestinos fritos e cartilagens de frango, o que não me impedia de assisti-los comendo tudinho! Quando cheguei, eu era apenas “peixetariana”, então cheguei a experimentar até água viva (não recomendo!). Mas depois de vir pra Hong Kong, eu sinto que consigo apreciar muito mais outros tipos de culinária que eu não tinha muito acesso lá no Brasil. Claro que aqui ainda temos alguns restaurantes brasileiros e muitos ocidentais em geral, mas gosto de ter a possibilidade de explorar a cozinha local tão de perto.
Em relação à língua, você teve dificuldades de adaptação?
No começo, sim. Embora o inglês seja uma das línguas oficiais de Hong Kong, poucas pessoas realmente o falam no dia a dia, então fica bem difícil de se comunicar no começo. A língua corrente aqui é o cantonês. Quando cheguei, o meu inglês não era dos melhores. Somado a isso, na primeira escola em que estudei, a maioria dos colegas de sala eram honcongueses que acabavam de sair de escolas locais de Hong Kong, na qual só falavam cantonês. Mas depois de uns dois meses, comecei a me adaptar. Fiz muitos amigos, chineses e não chineses. A troca de culturas era muito interessante, e muitos dos meus amigos até me ajudavam com meu chinês!
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Quais são as maiores diferenças entre a escola onde você estuda atualmente e a escola onde estudava no Brasil?
Bom, há várias. Agora estudo em uma escola britânica, então o currículo é completamente distinto. A escola é em tempo integral. Saio de casa às 07h20 e volto apenas por volta das 17h00. Estudo dois idiomas além do inglês (o mandarim e o espanhol), o que é bem diferente dos meros dois períodos de inglês na minha escola do Brasil. Outra coisa é a tecnologia. Comparado com o quase nenhum acesso a ela no Brasil, aqui usamos o nosso próprio computador em quase todas as aulas e ainda temos uma matéria inteira para Design & Technology. Mas eu acho que a coisa mais diferente é a troca de experiências e vivências. Há pessoas de todos os tipos de países e culturas, o que deixa a aula bem interessante quando fazemos discussões e vemos os diferentes pontos de vistas.
O que você mais gosta de morar em HK?
Acho que a liberdade. No Brasil, nunca podia ir sozinha nem para a padaria da esquina. Nossos dois carros eram blindados e foram quebrados duas vezes. Tinha muito medo, e todos os dias no jornal víamos coisas horríveis. Quando mudei para Hong Kong, foi como se portas tivessem sido abertas. Não temos carros aqui, então posso andar de metrô e ônibus livremente. É muito bom se sentir segura quando ando com minhas amigas na rua.
O que você menos gosta de morar em HK?
Acho que a diferença de horário do Brasil (11 horas de fuso horário). É uma coisa pequena, mas parece que sempre que quero falar com meus amigos do Brasil, eles estão dormindo.
Se você pudesse dar um conselho a outros adolescentes que vão passar pela mesma experiência de sair do país com a família, o que você diria?
Não tenha medo. Sim, foi bem assustador pensar de vir morar em Hong Kong, mas eu diria com toda certeza que isso foi uma das melhores coisas que aconteceram na minha vida. Eu sinto que minha mente se abriu e pude fazer amizades pra vida, sem perder as que eu já tinha. Eu diria que é uma experiência muito gratificante que qualquer um deveria abraçar e ir com tudo!
* Durian: fruta muito consumida na Ásia, com formato parecido ao da jaca, porém com um odor muito forte, considerado cheiro mais horrível do mundo. Se quiser saber mais sobre ela, clique aqui.
3 Comentários
Marília, super legal teu texto! Tua filha deu um show de maturidade! Parabéns para as duas.
Zandra, muito obrigada!! Ela é mesmo uma menininha danada! Bjs.
[…] as diferenças e valorizar as competências de cada um. Sem dúvida são pessoas resilientes. Leia aqui o relato de uma adolescente sobre como é mudar de país nessa fase da […]