Uma das melhores surpresas que a escola secundária trouxe, tanto a mim quanto à minha filha, foi o estudo da matéria Food Technology (muitas vezes chamada de Food Science), ou seja, a tecnologia ou a ciência do alimento. Ela é matéria obrigatória no currículo escolar na Inglaterra para os alunos secundaristas.
Digo isso porque quando me mudei para cá, aos 37 anos, pulei miudinho por não saber cozinhar quase nada. E sim, eu tinha as melhores desculpas do mundo! Quando criança e adolescente nunca me interessei por aprender a cozinhar com quem quer que oferecesse para me ensinar: minha mãe, minha avó ou as queridas moças que trabalhavam lá em casa. Depois de adulta, eu mesma sempre tive quem cozinhasse para mim no dia a dia e nos jantares que oferecíamos em casa, meu ex-marido é maravilhoso na cozinha portanto sempre ficou por conta dele. Ou seja, cheguei aqui com a Rafa com 4 anos sem saber fazer nem estrogonofe. Dá pra imaginar?
Eu me lembro que ficava super aliviada em pensar que, pelo menos, minha filha comia bem e saudável durante o almoço da escola, pois pra me virar, com toda honestidade, muitas vezes era a comida pronta que me salvava.
Descobrir que os adolescentes aqui têm, na própria escola, a oportunidade de aprender a se virar na cozinha foi um presente! Até porque aqui a cultura é que aos 18 anos eles saiam de casa e vão morar sozinhos, ou seja, é extremamente útil que saibam pilotar um fogão.
As aulas
Logo no primeiro ano da escola secundária, o ano 7, minha filha começou a ter aulas teóricas e práticas sobre segurança e higiene na cozinha. Aprendeu o básico, como por exemplo, como manejar uma faca para cortar cebola com cuidado. E ai de mim se em casa eu ousasse usar a tábua de cortar da cor errada com o alimento errado – ela me chamava a atenção mesmo! Sim, porque aprendeu tudo sobre contaminação cruzada.
Uma das primeiras coisas que recebeu foi um manual chamado The Eatwell Guide (Guia para comer bem). Esse manual mostra o quanto de cada grupo de alimentos devemos comer para alcançar uma dieta balanceada e saudável. Durante as aulas práticas, ela e os colegas aprenderam a usar tanto o fogão a gás quanto o elétrico (muito comum aqui) além de familiarizarem-se com medidas e equipamentos básicos.
Dentre as comidinhas que saíram nesse primeiro ano, ganharam destaques o coleslaw, salada de frutas, pizza com massa feita por ela, hambúrguer caseiro, shortbread (biscoito doce) e enchilada.
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Durante o ano 8, novos tópicos foram cobertos: maiores fontes de nutrientes, fibras, vegetais, as funções dos carboidratos e os efeitos causados pelo excesso dele, o processo do leite e do trigo. Agora, os resultados iam ficando cada vez melhores e uma vez por semana eu praticamente não precisava preparar o jantar, pois minha filha chegava com ele pronto: mac n cheese (macarrão com queijo), sopa e pão caseiro, Cottage Pie (parecido com o nosso escondidinho de carne moída), Dutch Apple Cake (torta de maçã holandesa).
Chegou o ano 9 e esse era o último ano de ter essa matéria como parte obrigatória do currículo. As aulas focam mais no estudos das frutas, do leite, das carnes e da massa folhada. Também é discutido o porquê das pessoas tornarem-se vegetarianas e os diferentes tipos de dietas vegetarianas que existem. Alguns dos pratos preparados neste ano foram: lasanha, quiche, curry com pão naam, torta de frutas com massa folheada e scones. Claro que para todas essas receitas sempre havia uma opção vegetariana.
Detalhe: todos os alunos recebem uma semana antes a lista de ingredientes que devem levar para a próxima aula. Certeza: semana sim, semana não eu saía como louca na noite anterior ou antes de levar minha filha pra escola para comprar tudo da lista – porque ela havia esquecido de me dar ou eu esqueci de pedir! Ter aulas de Food Tech é viver a vida no limite também!
As mudanças
Três mudanças aconteceram conosco durante esse período. Não sei se foi diretamente influência dessas aulas ou não, mas gosto de pensar que sim.
A primeira delas foi logo no começo, quando minha filha estava com um dente de leite mole e decidiu que quando aquele dente caísse, ela ia colocá-lo dentro de um copo com coca-cola e deixá-lo lá por uns dias para ver o que aconteceria. Sim, eu era viciada em coca-cola e acabei passando esse péssimo hábito pra minha filha. Muito bem, o dente caiu e lá foi ele direto pro copo de coca-cola por três dias. O dente praticamente apodreceu, ficou um horror, marrom super escuro e desmanchou em algumas partes. Nojento!
Naquele momento, nem eu nem minha filha conseguimos mais tomar coca-cola. Acabou, era o fim de uma era. E entrando no espírito da experiência, decidimos que não íamos mais tomar refrigerante e evitar sucos artificiais ao máximo também. A bebida em casa seria água.
Claro que quando vamos para o Brasil rola um Guaraná e sei que minha filha de vez em quando toma uma Sprite com os amigos. Em casa, às vezes, rola um suco de maçã natural também. Mas a água ainda reina absoluta.
A segunda mudança foi em relação a comer nuggets. Ela assistiu um documentário na escola sobre como eles eram feitos e ficou impressionada ao descobrir que nem tudo que vai na receita é exatamente frango…. Nunca mais quis comer nuggets. Entrei na onda e fiz a mesma coisa.
A terceira modificação na nossa vida foi em relação a comida fast food. Essa acabou meio que relacionada com a segunda pois comíamos nuggets no Mc Donalds. Decidimos juntas que não iríamos mais a nenhum fast food. Com um pouco de negociação, decidimos que o único permitido de vez em quando seria o Subway.
O resultado
Com o passar dos anos, fico feliz em relatar que não só aprendi a cozinhar como posso me orgulhar de dizer que hoje cozinho e muito bem. Sou daquelas mães que faz molho de tomate em casa e adora se aventurar numa receita nova. Procuro cada vez mais ter uma alimentação balanceada e saudável, afinal não adianta falar, a gente tem que mostrar como se faz.
Lá em casa rolam receitas brasileiras e inglesas semanalmente. Vira e mexe é minha filha quem acaba fazendo uma cottage pie ou um mac n cheese (macarrão com queijo) para o nosso jantar. Mas milagres não acontecem e nem somos a família perfeita. Pulo miudinho até hoje pra fazer minha filhota adolescente comer frutas e verduras. Mas a intenção de comer melhor todos os dias está lá e a gente vai insistindo sempre.
O mais legal é ver que, quando é necessário, minha filha sabe se virar na cozinha. Na minha opinião, acho que o importante é ser consistente e dar o exemplo. Como vocês puderam perceber, muitas vezes o exemplo vem deles, dos nossos filhos. E isso é o mais legal. Se não fosse pela minha filha, eu provavelmente estaria bebendo refrigerante e comendo fast food até hoje. Nossos filhos fazem tanto por nós quanto nós fazemos por eles.
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