A língua, gírias e palavras inventadas pela minha filha.
Ah, a língua! Desafiadora, divertida e enigmática!
Minha filha já tinha o português bem fixado como língua materna quando mudou-se comigo para a Inglaterra aos quatro anos. Mas isso não significa que não tivemos discussões no mínimo interessantes em relação a certas palavras inventadas por ela em português. Eu também já fiz confusão com determinadas palavras em inglês, mas vamos focar na Rafa primeiro, ou seja, vamos por ordem de idade!
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Antes de mais nada é preciso concordar com a Rafa em várias ocasiões, pois certas coisas simplesmente fazem mais sentido da forma como ela estava pensando. Mas que era duro não rir quando na maior pureza ela errava o nome das coisas, ah isso era. Aqui vão dois exemplos de diálogos nossos que me lembro como se fosse hoje:
As confusões
A situação: saindo para almoçar na casa do meu chefe num domingo em maio.
-Rafa, tá pronta pra ir para a casa do John?
-Quase mãe. Quem vai estar lá?
-Não sei Rafa.
-Tomara que a “marida” dele esteja, adoro a Margaret!
-Voce quis dizer a esposa dele?
-Não, se ele é marido dela, ela é marida dele.
A situação: nós duas assistindo televisão em casa.
-Nossa Rafa, que olhos lindos tem esse cara do filme!
-Os olhos são bonitos, mas eu não acho ele bonito.
-Por quê? Até que eu gosto.
-Ai mãe, ele é careco!
-Careco? Você quis dizer careca?
-Não mãe, careca é pra mulher, careco é pra homem.
Momento confissão
Lembrei uma ocasião épica na qual eu usei por várias vezes a palavra errada numa mesma situação. No meu trabalho frequentemente tenho que visitar famílias que querem receber alunos internacionais que vêm estudar aqui. No começo, como eu não dirigia, pegava táxi o tempo todo. No meio da rua, em frente a escola onde trabalho, tem uma espécie de mini poste em forma de cone para alertar motoristas da travessia para pedestres. Pois bem, toda vez que um taxista ia me deixar na escola, eu avisava que ele podia estacionar perto desses cones, os “bollocks”.
Infelizmente nunca aprendi o nome disso numa sala de aula, ouvi pessoas se referirem ao tal poste umas duas vezes e comecei a usar o vocabulário novo. Só que o meu cérebro, por algum motivo hilário, achou que a palavra para o mini poste era uma outra, muito similar, mas com um significado completamente diferente… Cada vez que eu pedia para o taxista parar junto ao “bollock”, sentia que recebia umas olhadas estranhas…
Cansada desses olhares atravessados, numa certa ocasião depois de visitar uma nova família, ao entrar no escritório, disse aos meus colegas: – Eu devo estar dizendo alguma coisa muito errada! Expliquei a situação toda e a galera teve um ataque de riso. Meu chefe foi quem mais riu. Ao invés de poste, eu estava pedindo para o motorista parar perto de um componente do órgão sexual masculino, aquele que é o preferido para se coçar… Nunca mais esqueci como se diz o nome do tal poste: “Bollard!!”
As gírias
E agora que minha filha é adolescente, o desafio é entender as gírias. Acho que se nós ainda estivéssemos morando no Brasil talvez eu também passasse por isso, mas de uma certa forma tenho a impressão de que seria mais fácil. Preparem-se! Segue abaixo alguns exemplos de gírias usadas pela moçada de 14, 15 anos aqui na Inglaterra. Me desculpo com antecedência pelas gírias brasileiras que ainda utilizo pois devem ser jurássicas! Vamos lá!
- Peng ou peng-a-leng
-That girl is peng! (Aquela garota é gata!)
Peng é gata, mas já ouvi a meninada usar para elogiar a comida: – This pasta is so peng! (Esse macarrão é muito bom!). E se a menina ou a pasta forem mais do que peng, aí você pode dizer que é peng-a-leng.
- Allow
-I’m going to have to talk to your teacher! No, Mum, please allow it, allow it! (Vou ter que conversar com o seu professor! Não, mãe, por favor, deixa pra lá!). Eu entendo como sendo próximo do nosso desencana. Também usado para mostrar falta de vontade, aversão ou opinião negativa sobre alguma coisa.
-Wanna walk to the school? No, allow it mate, I’m going to get the bus. (Quer andar pra escola? Não cara, desencana, vou pegar o ônibus.)
- Bait
-You are making it so bait! (Você está agindo de forma muito óbvia!)
-It was so bait that you cheated in the test! (Estava muito óbvio que você colou na prova!)
- Bare
-It’s bare hot! (Está super quente!)
-He was bare tired! (Ele estava super cansado!)
- Sket
-This girl is a sket! (Essa menina é galinha!)
- Wag1 ou wagwan
-Wag1! (E ai!). E um comprimento, meio que o equivalente ao “whassup” americano.
- Wasteman
-That guy is a wasteman! (Aquele cara é um idiota!)
Informação extremamente importante passada pela minha filha para os que resolverem utilizar as gírias acima: nunca, jamais use-as se você já passou dos 25 anos, é certeza que vai pagar mico. Se for pai ou mãe então, pior ainda!
E claro, teve uma vez que minha filha resolveu tirar um sarro de mim. Aqui na Inglaterra, como todo mundo sabe, chove demais. Eu estava comentando com a Rafa a enorme quantidade de palavras e expressões referentes a chuva como to rain, to pour, to shower, etc. Aí, ela resolveu me ensinar uma nova: to ping! Adorei e na primeira oportunidade usei. Eu estava no escritório com minha colega Lauren quando começou a chover lá fora. Eu, querendo exibir meu recém adquirido verbo, virei pra ela e disse: – It’s pinging! A Lauren olhou pra mim e perguntou: – Está o quê? -Pinging! Respondi. Saquei na hora que minha filha tinha tirado um sarro de mim e inventou uma palavra pra eu usar… Cai como uma trouxa…
Tanto pra mim quanto para a minha filha o aprendizado aqui é constante. Mesmo depois de mais de dez anos vivendo em Bristol aprendo quase todos os dias alguma palavra ou expressão nova. Trabalhar numa escola de inglês para estrangeiros ajuda e me sinto super sortuda de estar rodeada de professores nativos e super experientes.
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