Nossos pais são a base do nosso ser. Eles são nossa história, nosso passado, nossa base, estrutura.
As primeiras pessoas que aprendemos a amar são nossos pais. Eu acredito que o vínculo começa a desenvolver na gravidez e ele cresce conforme nós crescemos. Quando somos crianças nossos pais são nosso mundo.
Vejo hoje com meus filhos, somos o centro do universo deles. Conforme crescemos, o relacionamento com nossos pais muda. Na adolescência queremos só nossos amigos, e mesmo com esse distanciamento a segurança de ter nossos pais é tão profunda que chega a remeter a infância.
Na vida adulta acho que vem, mas maiores transformações de relacionamento. Começamos a entender e nos identificar com nossos pais, e a maternidade faz tudo fazer sentido. Eu senti muito mais empatia pelos meus pais depois de virar mãe.
Quando meus filhos nasceram eu entendi tanta coisa, principalmente duas: nós damos o nosso melhor aos nossos filhos e damos o que temos, ou seja, nossa referência e cultura. São reflexões que farei em meu próximo post, mas aqui queria contar para vocês a minha história.
Eu sou temporã em uma família de cinco pessoas: minha mãe, meu pai, minha irmã, meu irmão e eu. Nasci oito anos depois de meu irmão, nove depois da minha irmã. Minha mãe era a pessoa mais acolhedora que já conheci. Ela era a definição de mãe ganso. Ela era mãe de todos, inclusive minhas amigas.
Quando eu era bebê, minha mãe acolheu uma tia que veio morar conosco e se tornou minha segunda mãe.
Meu pai era o cara mais divertido, engraçado e simpático. Sempre com uma piada, sempre cheio de amigos. Imaginem vocês como eu cresci: com uma casa cheia de gente. Morávamos em uma rua fechada, que era uma vila, literalmente. Todos amigos, cresci brincando na rua, tive uma infância maravilhosa.
E cada vez a família crescia mais, com mais amigos, mais parente, e mais de tudo um pouco. Uma coisa que sempre senti era que meus pais eram eternos. Na infância eu os achava perfeitos e na adolescência só os defeitos e críticas pareciam, mas na vida adulta eu comecei a os entender.
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Eu tinha 19 anos quando minha mãe estava tomando banho e notamos um caroço em seu seio, que descobriríamos que era câncer de mama. Nossa vida virou de ponta cabeça, e eu senti que meus pais não eram tão invencíveis como sempre imaginei.
Cirurgias, quimioterapias, radioterapias e onde ela passava fazia mais amigos. Eu agradeço todos os dias de ter acompanhado ela em toda jornada, cada exame, cada tratamento, eu estava lá. E eu amadureci 20 anos durante seu tratamento.
Era um câncer de mama que foi para osso externo e para o pulmão e virou metástase. Eu vi minha mãe, dia a dia ser menos ela. Eu lembro de um dia em mais uma das muitas internações, ela me disse “filha, eu nem lembro mais como é viver sem dor”. Aquilo acabou comigo. Entrei em um conflito imenso, de querer que ela ficasse sem dor mas querer ela ali conosco, porque no fundo eu sabia que era impossível ter as duas coisas.
Para amenizar a dor, os médicos entraram com morfina e ai ela já não era mais ela maior parte do tempo. Eu lembro um dia ela em casa com oxigênio já em seus últimos dias aqui na Terra, olhando o jardim da nossa casa que ela construiu. Eu lembro de estar sentada na cama e olhar para ela e imaginar o que ela estava pensando.
Dois anos e meio depois de seu diagnóstico, minha mãe deu seu último suspiro na Terra. Sua passagem dilacerou minha família. Nos quebrou em milhões de pedaços e tivemos que reaprender a ser família.
Minha mãe era o elo de ligação entre nós, e não demorou muito para nossas diferenças aparecerem e as brigas e desentendimentos começarem. Os primeiros anos após sua passagem fora muito difíceis.
Mas aos poucos a vida seguiu. Meu pai se casou de novo, teve um filho. Meu irmão se casou e também foi viver a sua vida. E eu fiquei na casa que foi um dia a casa da minha família. Tinha dias que eu me sentia enterrada naquele lugar que antes era cheia de vida e amor.
Quando um relacionamento de anos acabou, eu resolvi vender a casa da minha família e fui passar seis meses na Itália. Meu pai já tinha problemas no fígado na época, que foi deteriorando com seu estilo de vida. Eu voltei da Itália e fui morar com ele. Foi demais retomar nosso relacionamento e viver um pouco a vida em família que eu perdi tão cedo. Em 2012, eu e meu marido nos mudamos para Austrália, e meu pai já estava doente. Em março do ano seguinte, meu pai partiu desse mundo após passar últimos meses muito sofridos. Eu estava aqui na Austrália e vivi o luto de uma forma muito diferente.
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É difícil expressar o buraco na minha alma que a falta de meus pais faz. Minha mãe era minha alma. Um dos grandes amores da minha vida e viver sem ela, é sobreviver cada dia. Ela se foi cedo demais e não existe um momento do dia que não penso nela e o que ela faria.
O que mais eu sinto falta é dos meus filhos não terem conhecido meus pais. Eu amaria ver a interação deles, e consigo ouvir as piadinhas do meu pai e a risada que enchia o ambiente da minha mãe. Meus filhos sabem quem eles são, sempre falamos deles e temos fotos pela casa.
Perder meus pais cedo, me fez muito forte. Me fez a pessoa que sou, como tudo que vivemos. Tem dias que eu sinto uma tristeza profunda e umas saudades que me deixa sem ar. Porém na maior parte do tempo eu sinto sorte de ter tido 20 anos com minha mãe e 35 com meu pai. Perder meus pais cedo, me fez ver a vida com outros olhos e me priorizar o que realmente importa. A vida é tão breve…
A marca deles esta tão além da presença física. Eles vivem dentro de mim, eles vivem no nosso dia a dia, nas piadas que conto para meus filhos, nas expressões da minha mãe e nas coisas que ela inventava.
Rimos com as histórias, e eu sinto no fundo da alma, que cada pessoa é uma espécie de colcha de retalhos de seus antepassados e das pessoas que marcaram suas vidas. E por mais triste e solitário que seja não ter essa grande parte da minha história viva aqui comigo, eu tenho tanto e escolho ver as coisas boas.
As marcas doloridas que a vida nos deixa nos fazem quem somos. Quem você decide ser depende única e exclusivamente de você.
2 Comentários
Aline querida!
Não tenho palavras para descrever o que senti lendo seu texto. Parabéns 👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾
Um abraço virtual😘
Que texto, Aline! Que historia linda, quanta dor, saudade, e ao mesmo tempo, lembranças que serão eternas! Obrigada por dividir conosco!